A
noite, um patrimônio que corre risco
Unesco
foi solicitada para fazer da 'escuridão' patrimônio da humanidade
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Já
estava na hora: os políticos começam, enfim, a legislar
sobre o céu noturno. A República Checa aprovou
uma lei visando proteger e restaurar o céu noturno,
tão ofuscado pelas potentes iluminações
artificiais. Respira-se fundo: a noite é "um monumento
que corre risco". Além disso, a Unesco foi solicitada
a fazer da noite "patrimônio da humanidade". Nada mais
legítimo. Basta levantar o nariz para o céu para avaliar
a amplitude dos estragos: nossas noites são ruínas,
monumentos praticamente demolidos.
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É
evidente que nos países desenvolvidos as devastações
são as mais desastrosas. Na Europa, a metade da população
não tem mais como ver a Via Láctea, aquele rastro luminoso,
composto por bilhões de estrelas que compõem a galáxia.
Oitenta por cento dos americanos jamais viu uma noite,
eu digo, uma verdadeira noite, uma noite escura, o infinito
vazio da escuridão da noite, repleto de estrelas, nebulosas
e outros corpos celestes. Dois terços dos europeus encontram-se
na mesma situação.
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Sabemos
muito bem as causas desse enorme "acidente industrial":
a tecnologia, os sistemas de iluminação noturna, que
são bem mais potentes do que seria necessário, além
de irradiarem luz diretamente para o céu, desperdiçando
grande quantidade da escassa energia elétrica.
Toda noite, todas as cidades (e mesmo os povoados) da
terra - sobretudo no Ocidente - fazem jorrar ondas de
luz inútil, que instalam acima de nós "raios luminosos",
que destroem a visão da noite.
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Hoje,
com a lei decretada pela República Checa, os amantes
da noite marcam uma vitória. Essa revolução é considerável.
Não obedece a considerações poéticas, mas principalmente
a motivos de ordem prática: a comunidade mundial dos
astrônomos se mobilizou contra os "poluidores da noite",
pois cada vez mais eles têm dificuldades para exercer
sua profissão.
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- imagem da Terra e a impressionante quantidade de luz
emitidas pelos paízes 'desenvolvidos'
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Escuridão
- A atmosfera terrestre está tão saturada de luminosidades
de todos os tipos, que os grandes observatórios têm
cada vez mais problemas para pesquisar as profundezas
do céu na escuridão absoluta ,decifrando os sutis
movimentos e pulsar de distantes corpos celestes.
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Além
da astronomia, algumas almas um tanto sonhadoras juntam
suas dores às desses cientistas: a noite é uma das mais
antigas companheiras dos homens. Quantos mitos cosmogônicos
ou familiares relatam o medo ou o encantamento que moldou
os cérebros dos homens diante da sucessão de luzes e
sombras - o azul e o verde fluido da aurora, as fontes
de água douradas do meio do dia, o buraco infinito da
escuridão da noite? Ora, a noite, perseguida pelos arcos
elétricos, pelos bilhões de globos de nossas cidades
foi abatida. Esforça-se em vão a procurá-la, ela sumiu.
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Mal
percebemos essa debandada, essa derrota de nossas noites.
Estamos tão acostumados com nossa eletricidade, com
os lampiões nas ruas, com o efeito de uma nuvem de poeira
que a iluminação artificial produz, que muitos nem mais
se lembram da noite.
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Os
deputados checos que dedicam tempo para salvar a noite
me parecem verdadeiros governantes. Eles se ocupam do
essencial. "Nem só de pão vive o homem", diz o Evangelho
e, hoje, estamos tentados a dizer: "Os homens vivem
também das noites".
adaptação
da matéria original do jornal O Estado de São
Paulo
- Veja mais sobre poluição luminosa no site
do astrônomo Silvestre
de Uberlândia MG, um pioneiro na luta contra essa
agressão ambiental.
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